Justiça Climática sem combate às desigualdades é colonialismo!
Como o Festival Até o Tucupi Aborda a Crise Climática na Amazônia
Foto: @aka.buya
O Até o Tucupi realiza sua edição de 2024 em um momento crítico para a Amazônia, especialmente para o estado do Amazonas. A crescente crise climática tem agravado as condições de vida de milhares de pessoas, em particular das populações ribeirinhas, indígenas e periféricas de Manaus, que enfrentam escassez de água potável, calor extremo e os impactos severos da fumaça das queimadas. Este ano, o festival adota uma abordagem urgente e necessária: justiça climática e justiça social são indissociáveis, e a luta pelo clima é, acima de tudo, uma luta pela sobrevivência e dignidade da nossa gente.
O conceito de justiça climática vai além das questões ambientais, reconhecendo que os impactos da crise climática não são distribuídos de forma equitativa. Populações indígenas, ribeirinhas e periféricas, que historicamente contribuem muito pouco para o aquecimento global, estão entre as mais afetadas pelas suas consequências. No estado do Amazonas, por exemplo, comunidades tradicionais que dependem dos rios para subsistência e locomoção enfrentam secas severas, enquanto as periferias lidam com a degradação da qualidade do ar e a ausência de políticas efetivas de adaptação climática.
A seca que atualmente atinge o Amazonas já é considerada a pior de todos os tempos, com recordes negativos para a região. No Baixo Solimões, em Manacapuru, a cota do rio atingiu o nível mais baixo já registrado, com 2,90 metros… 21 centímetros abaixo da marca histórica anterior. A seca mais severa na região ocorreu em 25 de outubro de 2023, quando o rio chegou a 3,11 metros, e agora, em 2024, o nível continua a baixar de forma alarmante.
No Alto Solimões, a cidade de Tabatinga registrou também o menor nível de sua história, com o rio alcançando 2,30 metros. O Rio Negro, por sua vez, chegou em outubro de 2024 com a cota de 13,05 metros, apenas 35 centímetros acima do recorde de seca registrado em 2023, quando o rio alcançou 12,70 metros. Esse cenário dramático marca o segundo ano consecutivo de seca extrema no Amazonas, com consequências devastadoras para as pessoas que dependem das águas para viver.
O boletim publicado no início do mês de outubro pela Defesa Civil do Amazonas mostra que o número de pessoas atingidas pela estiagem em 2024 já supera o da seca histórica de 2023. Mais de 747 mil pessoas foram afetadas diretamente em todo o estado, sendo aproximadamente 187 mil famílias. Todos os 62 municípios do Amazonas estão em estado de emergência devido à seca, à fumaça e aos focos de incêndios que assolam a região. Comparado ao ano anterior, quando 633 mil pessoas foram atingidas (cerca de 158 mil famílias), a situação atual reflete o agravamento da crise climática.
No dia 04 de novembro, poucos dias antes do início do Até o Tucupi, mais uma vez a Manaus amanheceu coberta por fumaça, registrando níveis considerados “Muito Ruim” de qualidade do ar, segundo dados do Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental (SELVA). A poluição do ar ficou acima de 80, enquanto para ser considerado ar de boa qualidade os níveis devem ficar entre 0 e 25. Uma realidade que se tornou constante, em Manaus e muitos municípios do Estado.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectou 115 focos de incêndio no Amazonas apenas nos primeiros três dias do mês de novembro. Em 2024, o estado já registra os maiores índices de queimada pelo INPE, desde 1998, quando o órgão iniciou os monitoramentos. Foram mais de 24.700 pontos de queimadas registrados no Amazonas, neste ano.
Com níveis alarmantes de poluição e a falta de água potável assolando as comunidades mais pobres, o impacto da mudança climática é sentido de forma cruel pela população que já convive com profundas desigualdades sociais.
Mas, porque justiça climática sem combate às desigualdades é colonialismo?
Colonialismo, em essência, é a prática histórica de exploração, dominação e subjugação de povos e territórios para o benefício de potências externas. No contexto atual, ele ressurge em práticas que perpetuam desigualdades históricas, transferindo os custos sociais e ambientais da crise climática para populações vulneráveis. Quando falamos de justiça climática sem considerar a justiça social e racial, estamos reproduzindo a lógica colonial: impor os maiores impactos da crise àqueles que menos contribuíram para ela.
As populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e periféricas estão entre as mais afetadas pelas mudanças climáticas. Elas enfrentam secas, enchentes, poluição e a perda de territórios enquanto suas vozes e direitos são frequentemente ignorados. Assim como no colonialismo, onde os recursos e territórios eram tomados à força, hoje vemos a exploração ambiental e a exclusão dessas comunidades nos processos de decisão climática. Isso não é apenas injustiça climática; é a perpetuação do colonialismo em uma nova forma.
Portanto, justiça climática que ignora desigualdades é, na verdade, um novo rosto para uma velha opressão. Para enfrentar a crise climática de maneira verdadeira e eficaz, é indispensável integrar os direitos e as lideranças das populações historicamente marginalizadas. Isso significa reconhecer que suas lutas pelo território, pela água, pelo ar limpo e pelo bem viver não são apenas locais, mas centrais para a preservação do planeta. Sem isso, qualquer discurso sobre justiça climática será apenas uma repetição de uma estrutura colonial que tanto nos divide quanto nos destroi.
O Papel do Festival na Luta por Justiça Climática
Mais do que um evento cultural, o Até o Tucupi se consolida como uma plataforma política que busca evidenciar e confrontar as raízes das desigualdades na região. O festival será palco do “Encontro Amazonense sobre a Crise Climática”, uma oportunidade única de mobilizar lideranças, artistas e movimentos sociais para debater, propor e reconhecer ações concretas que promovam a justiça climática na Amazônia.
A agenda do festival busca reforçar que, sem o combate às desigualdades, qualquer ação climática corre o risco de perpetuar a marginalização de povos e culturas da região, numa nova face do colonialismo. Nesse sentido, o tema da edição, “Justiça Climática sem combate às desigualdades é colonialismo”, é um chamado para a ação, incentivando uma postura de resistência e transformação que vá além das promessas vazias.
A programação do festival inclui atividades como intervenções artísticas, debates e performances que visam sensibilizar o público sobre a urgência da crise ambiental e seus impactos locais. As artes integradas, essenciais para o festival, são vistas como um veículo importante para a conscientização, alcançando um público amplo e diversificado.